Entrevistas

“Inovação não é só invenção, precisa ser implantada”, diz Aline Telles Chaves

Responsável por três indústrias do Grupo Telles, além do complexo turístico iPark, Aline Telles Chaves, vice-presidente de operações do conglomerado, diz que a empresa sai fortalecida da crise e com expectativa de crescimento maior que o ano passado. A empresária prepara ainda a entrada no mercado potiguar da Naturágua e o lançamento de aplicativo de vendas

Tunay Moraes
tunaympeixoto@ootimista.com.br

Mesmo com as incertezas trazidas pela pandemia, a empresa de águas minerais Naturágua não apenas vai passar a atuar em outro estado – Rio Grande do Norte -, como também espera crescer no segundo semestre mais do que em 2019. Para Aline Telles, vice-presidente de operações do Grupo Telles (a empresa familiar mais antiga em funcionamento no Brasil, fundada em 1846 e atualmente dividido em sete negócios), o segredo é a combinação de três fatores: “fazer a lição de casa”, adaptando- se a novos cenários com rapidez; aproveitar o DNA de inovação da empresa, e a priorização dos resultados ao invés do faturamento.

Com estas premissas, as três indústrias geridas por Aline Telles (YPlastic, de embalagens PET para alimentos e produtos de limpeza; Santelisa, de papel, papelão e caixas e a própria Naturágua) devem apresentar um crescimento médio de 12% somente neste segundo semestre. “Fizemos um novo planejamento em junho e deletamos o primeiro semestre, mesmo assim, vamos crescer mais de 10% em relação a 2019”, garante.

Além da nova fase do grupo, a empresária conversou com o O Otimista sobre o novo canal digital para venda de água, que poderá ser usado tanto pelo consumidor final quanto por distribuidores, que será lançado nas próximas semanas.

O Otimista – Certa vez você mencionou em um webinário que a Naturágua coleciona certificação. Isso tem relação direta com inovação. Como esse DNA de inovação se refletiu no momento da pandemia?
Aline Telles Chaves – A gente vive em um mercado muito competitivo, no Ceará são mais de 250 marcas de água adicionadas de sais, minerais são um pouco mais de 20 e ainda existem as águas potáveis de mesa. O consumidor fica confuso diante de tantas marcas e todas falam de qualidade. A saída que a Naturágua pensou desde o início, para diferenciá- la, são as certificações internacionais, que dão de fato essa credibilidade. Fomos a primeira e ainda somos a única com a certificação ISO 22000, de segurança alimentar. Buscamos a ISO 14000, mas que por conta da pandemia, suspendemos para implantar no próximo ano. E esse ano devemos concluir a ISO 17025, seremos a única água do Brasil com essa certificação de laboratório. Por isso, falamos que vamos colecionar ISOs. E com a questão da pandemia, nos voltamos rapidamente para a área digital. Em menos de duas semanas os projetos digitais que estavam engavetados saíram a todo vapor. Abrimos o aplicativo para o consumidor final, o e-commerce e o app Naturágua, que é B2B, para os pontos de vendas.

O Otimista – O novo canal de venda será responsável por quanto do total de vendas?
Aline – A gente tem esse olhar para o consumidor em todos os momentos: no mercadinho, no aplicativo, no supermercado, no atacarejo, enxergar esse novo consumidor, que é omni-channel. Estamos oferecendo essas novas oportunidades de compra, mas respeitando muito os canais de distribuição, porque vamos trabalhar em parceria com esses canais. Esperamos ter um contingente acima de 10% do nosso volume de venda a partir desse canal direto com o consumidor. Na verdade vamos alimentar toda a cadeia, na medida em que o consumidor solicitar, vamos abastecer todas essa cadeia, em parceria com o canal de distribuição, direto da fábrica apenas quando não tiver o canal que possa atender esse consumidor, o que vai ser bom também para identificar esses locais com demanda e que não estão logisticamente positivados.

O Otimista – A Naturágua pretende atuar em outros mercados além do cearense?
Aline – Para ampliar para outros estados, como água não tem tanto valor agregado, ou são embalagens super premium, ou ter fontes, para envasar e distribuir na região. Então todo o nosso planejamento de crescimento no Nordeste passa pela compra de uma fonte de água mineral. Todos os dias nós recebemos ofertas de fonte, mas sempre esbarra na questão da análise química das propriedades. Mas há dois anos compramos uma fonte no Rio Grande do Norte, em uma área de reserva, o que garante a qualidade. É uma fonte que vamos começar a operar no segundo semestre. A linha de descartáveis está montada, mas vamos iniciar somente com garrafões, envazando 100 mil garrafões por dia, o que é um número inicial até baixo.

O Otimista – Você dirige três indústrias que trabalham inclusive com marcas concorrentes. Como se deu esse processo de verticalização?
Aline – O Grupo Telles, nasceu de uma empresa de bebida alcoólica, e como a gente atuava no Brasil todo e no exterior, fomos sentindo necessidade de ter as embalagens por perto. No final da década de 1980, depois de uma crise no setor de papel e papelão, resolvemos produzir as nossas próprias caixas, a partir do bagaço da cana. A Yplastic foi a mesma coisa, precisamos fabricar PET para as novas embalagens. Eram unidades de negócios criadas a partir de uma empresa mãe, mas que tinham vida própria. Com a venda da empresa (para a britânica Diageo, em 2012), a Naturágua meio que recebeu essas empresas e corremos para o mercado. Com a Santelisa, fabricamos embalagens 100% recicláveis, com bobinas, embalagens e caixas. A Yplastic da mesma forma. A Naturágua respondia por quase 30% dela. Mas aí passamos a produzir também embalagens para indústrias de limpeza e até para outras marcas de água mineral.

O Otimista – Todas estas empresas apresentarão crescimento neste ano, mesmo com a pandemia?
Aline – O professor Carlos Arruda, da Fundação Dom Cabral, que é uma das grandes autoridades no Brasil em inovação, cita que este é o momento para se manter, o grande desafio agora é a sustentabilidade. Nós reduzimos o foco: a Santelisa, por exemplo, produzia embalagens para bebidas alcoólicas, então passamos a focar nos alimentos e itens de higiene e limpeza, que são os focos da pandemia. Houve uma redução de faturamento,mas também a lição de casa da empresa, em reduzir despesa. Conseguimos passar por esses três meses com lucro e EBTIDA excelente. Manter o resultado previsto, porque enxugamos a estrutura da empresa, mesmo com o nosso mercado tendo ficado restrito ao consumo das famílias. A Naturágua sai fortalecida dessa crise, com o resultado proposto que se manteve. E faturamento sem resultado não garante sustentabilidade.

O Otimista – Você acredita que a pandemia está provocando uma mudança na mentalidade e na cultura empresarial local, principalmente em relação à inovação e ao incentivo à pesquisa?
Aline – É inegável que as indústrias foram sensibilizadas, mas há um longo caminho a percorrer. Inovação não é só invenção, precisa ser implantada, para ser implantada, precisa ser viável economicamente, gerar retorno. É todo um contexto. O Governo precisa realmente fortalecer, oferecer linhas de crédito, ter um ambiente propício, porque inovação tem muito de errar e acertar. E para as empresas, apesar de acreditarem em inovação, tem um custo muito alto esse errar e acertar. Então acredito que com certeza as empresas estão mais sensibilizadas, mas é um processo longo e penoso. Eu não tenho dúvida que o Brasil tem muita engenhosidade e capacidade de inovação, mas não estamos conseguindo estar entre os 20 maiores do mundo, enquanto somos a oitava economia do mundo.

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