Opinião

Viagens e sonhos – Totonho Laprovitera

Quem viaja na imaginação sabe do que agora eu conto. Por enquanto, sei que ninguém consegue voltar ao passado para mudar um episódio e assim alterar o futuro. As linhas do tempo não podem ser corrompidas, pois assim o Universo se tornaria inconsistente com o aumento do grau de conflito de seu sistema físico, conceituam os estudiosos no assunto.

Pois bem. Em meus repetidos sonhos, há um romanesco bairro situado entre o Centro, Jacarecanga e Moura Brasil, em Fortaleza. É um lugar bem bonito a guardar, silenciosamente, a arquitetura de uma época teimosa em não seguir os ponteiros das horas. Lá, eu caminho tranquilamente pelas calçadas dos generosos quarteirões e espio o cinza das coisas antigas. De sóbrio sotaque, um campo-santo compõe o núcleo da vizinhança, em legenda de que a necrópole é a batata da metrópole. 

Seguindo a paisagem a riscar e dividir a realidade das quimeras, uma moça vestida de preto escorre seus longos e lisos cabelos negros pelos ombros tesos. Nunca a vejo de perto, pois dela a pressa a mantém à distância da gente. Avexada, ziguezagueia por entre as campas do silente Cemitério São João Batista. Com sapatos colegiais, seus passos emudecem no sossego partido pelos pisares dos enlutados e pelos sopros dos ventos, no farfalhar das folhas das longevas árvores. 

Sua alva tez encera a graça de seu pálido afilado rosto, a desenhar o simples semblante de quem se abstrai de sentimentos para sobreviver às dolorosas perdas. Assim, essas imagens teimam em passar no filme das minhas noturnas abstrações, aquelas que zanzam pelas inabitadas e compridas madrugadas. 

Frequentemente, também sonho estar deitado no chão da espaçosa sala de televisão da saudosa casa da Tibúrcio Cavalcanti, experimentando o frio do bem encerado piso de mosaico no corpo, com a camisa desabotoada e o rosto variando de sentido à espreita de olhares aos corriqueiros episódios familiares. A alumiar a cena, a luz fluorescente ou a perpassada pelos geométricos e caiados cobogós me assinalam o instante de olhar para um lado ou para o outro. 

Virando o rumo da prosa, onde quer que esteja, eu sempre estarei na Itália, terra que me faz cidadão do mundo e vivente pleno de significados. O sangue italiano irriga os meus mais preciosos sentimentos e o vinho sonha a estação que repousa em meu desejo de beber saborosamente a vida. Assim, quando caminho pela Itália, cada passo me acende uma lembrança de tempos em que vivi e não vivi. 

Pois é, ultimamente, eu tenho é sonhado estar na Itália. Talvez, pela memória genética a se fazer valer na ousada quebra de paradigmas. Aí, eu digo e repito: – Quando a vida me deixar, não diga que morri. Diga que eu parti, para a Itália voltar. 

Por fim, tornando à moça de preto, bem, que ela a vida bem me guarde. 

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