Opinião

Ostra feliz não faz pérola…

Felipe Meira é psicólogo junguiano, advogado e mestre em ordem jurídica constitucional

Por Felipe Meira

Essa frase não é minha. Quisera eu ter o dom de resumir tantos significados em uma simples frase, oriunda da natureza. É do grande Rubem Alves, título de um livro escrito por ele em 2008. O que te chama a atenção nesse enunciado?

Na natureza, a ostra só produz pérola caso as coisas saiam do “normal”, como um grão de areia adentrando na sua concha naturalmente bem protegida. Produzirá, então, a pérola para envolver o grão e deixar de “sofrer”. É um fenômeno raríssimo, que acontece com cerca de 1 a cada 10000 ostras. Por isso as pérolas são tão valiosas.

Em primeiro lugar, essa frase parece um recado para o Hoje. O que há de tão decadente, tão assustador, na não-felicidade? Por que tantos rótulos, programas, produtos, remédios, pessoas, prometem essa tão sonhada felicidade? Promessas para o prazer são muitas.
Não ser feliz nos tempos de hoje virou praticamente sinônimo de fracasso. Mais ainda, fracassos individuais, e não coletivos. Deixou de ser problema de uma sociedade adoecida. Se você não é feliz, é por que não conseguiu o que queria, ou porque não comprou aquilo que te faria feliz, não encontrou na prateleira.

Que monstro espantoso que não permite que a gente lide com tristezas, angústias, sofrimentos, quando, na verdade, sabemos que grandes momentos da nossa vida ocorreram nas dificuldades. O quanto aprendemos nos momentos difíceis, o quanto passamos a valorizar outros cotidianos, o quanto passamos a entender outras pessoas, a valorizar outros afetos…

Para mim, soa estranho esse imperativo de felicidade, de bem estar. Jamais a valorizaríamos sem o seu contraponto. Se perguntarmos às pessoas se gostariam de viver felizes o tempo todo, talvez algumas pessoas aceitariam. Talvez até muitas. Mas será que suas vidas seriam boas? Eu, particularmente, acho que não. Queria, sim, distância dessa possibilidade. Tais quais as ostras, pararíamos de elaborar pérolas. Seríamos pobres de vivências, de significados.

Não é de hoje que batalhamos por isso, por essa felicidade ilusória e permanente. Os artistas, os escritores, cientistas e filósofos tentam nos alertar que isso é em vão. Já nos ensinavam que, “para fazer um samba com beleza é preciso um bucado de tristeza, se não, não se faz um samba não.”

Mas insistimos. Insistimos em nos entupir de medicamentos para lidar com o desconhecido. Insistimos em nos angustiar pela não felicidade, quando o que está ali é mais do que suficiente. Insistimos em não deixar vir o que precisa ser mudado. Insistimos em não querer descobrir todo o potencial que há para além do não-feliz. Talvez, no dia que deixarmos de procurar freneticamente ela apareça. Sem negar ou ignorar os percalços, tal qual a ostra que assume a sua dor.

Uma resposta para “Ostra feliz não faz pérola…”

  1. Excelente. Concordo..também não gostaria de ter tudo o que quero, muito menos, não sentir minhas tristezas, preocupações, etc. Assim é que ficamos mais humanos e solidários

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