Opinião

A arte da mentira na política

Emanuel Freitas é professor de teoria política da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Ao mesmo tempo que o presidente Jair Bolsonaro discursava na Assembleia Geral da ONU, no último dia 20 de setembro, sites de notícias e as redes sociais se consumiam na divulgação das “mentiras do presidente” proferidas ali. “Que país é esse exibido pelo presidente?” foi uma questão que viralizou, seja em análises seja em memes. “Mentira” constituiu-se como o único frame possível à fala bolsonarista.

Pensando na repercussão quase unívoca de tal discurso (a exceção, obviamente, se deu apenas na seita bolsonarista, onde o discurso foi tido como o de um “grande estadista”), pus-me a refletir sobre o que é a mentira na política e qual o seu lugar aí. Em tal exercício, lembrei-me das considerações do linguista francês Patrick Charaudeau, autor de importantes estudos no campo da análise de discurso. Em uma de suas obras, Discurso Político, o autor considera a mentira como tendo 3 condições para sua efetivação: o sujeito falante diz o contrário daquilo que sabe, sabe que o que diz é o contrário do que pensa e faz crer a seu interlocutor, por meio de signos, que o que diz é igual ao que pensa. Mostrar-se crível, parecer ser alguém que diz a verdade, performatizar a crença naquilo que ele diz.

Por óbvio, a maneira como o presidente brasileiro lê em teleprompter não produz um sentimento de veracidade naqueles que o escutam, mas o tom de sua voz, militarizada, busca acionar mecanismos de um “dizer verdadeiro” e “com autoridade” na audiência em questão, embora esta seja sempre pensada por ele como sendo o “seu povo”, seus seguidores.

Das mentiras ditas ali por Bolsonaro (que vão do suposto cuidado com a economia que diz ter tido durante a pandemia – alguém pode me lembrar algum? – ao valor do auxílio emergencial), chamou-me a atenção a seguinte frase: “Ratificamos a Convenção Interamericana contra o Racismo e Formas Correlatas de Intolerância”. Ora, desde a campanha presidencial, Jair mostrou-se empenhado em destruir políticas de combate à discriminação, a começar pela racial e todas as outras correlatas, com destaque para a homofobia, que ele e seu governo alcunham no baú intitulado “ideologia de gênero”. O que se vê, desde 01 de janeiro de 2019, é um desmonte de tudo o que existia de políticas públicas de combate à diversas discriminações. Basta olhar para o que acontece, furiosamente, na Fundação Palmares.

Emanuel Freitas é professor de teoria política da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

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