Economia

Moda com sustentabilidade e responsabilidade social

Em 10 anos da marca Ivanildo Nunes, a missão da empresa continua sendo a que motivou sua criação: usar o artesanato para compor as criações, valorizar o artesão e gerar renda para as comunidades que detêm o conhecimento das técnicas

Marta Bruno
martabruno@ootimista.com.br

O estilista Ivanildo Nunes teve o primeiro contato com o artesanato aos nove anos e levou a relação com as contas e miçangas para toda a sua trajetória profissional. Mudou de cidade, transformou o olhar, mas desde a primeira coleção, de moda praia, já mostrava a referência adquirida na infância. Mais do que isso: imprimiu ao seu trabalho, especialmente nos últimos dez anos, a necessidade constante de valorizar o artesanato local, tornar a moda sustentável e responsável socialmente e mostrar o valor de todo o processo artesanal, desde o primeiro contato com a comunidade que produz a matriz criativa. Isso, para ele, deve ser visibilizado em toda a cadeira produtiva a fim de ser reconhecido e valorizado com o teor histórico e cultural que possui.

Nesse contexto está a utilização de renda de bilro, filé, labirinto, renascença, croché, comumente unindo várias artesanias em uma única peça – diferencial até hoje no nome que é reconhecido internacionalmente. Essas artes ganharam tanto espaço no processo criativo do estilista que valorizar o artesanato e o artesão virou sua missão de vida e de trabalho. Mesmo dominada a prática de criar peças híbridas, Ivanildo encontrou na formação em moda o embasamento teórico para o que já desenvolvia. “Os conceitos ficaram bem mais claros dentro do meu processo criativo. Hoje a missão da minha empresa é a valorização do artesanato e do artesão. A possibilidade de ele olhar para o artesanato como uma forma de ganhar dinheiro, sem que isso seja visto com um lado de exploração, mas de conseguir um valor justo pelas peças produzidas”, defende.

Embora tenha passado pela moda praia, foi nos vestidos de festa e de noiva que o estilista viu a projeção do seu trabalho ser ampliada para outros estados e países. No ano passado, na França, Ivanildo Nunes foi condecorado pela Divine Académie Française des Arts Lettres e Culture por seu trabalho em favor do artesanato local e de valorização dos artesãos. Para ele, a homenagem é resultado de um trabalho incansável junto às comunidades, não só de apoio, mas de retorno financeiro justo pelo trabalho realizado em parceria com o ateliê. Contudo, nos vestidos criados por Nunes, o artesanato não é óbvio. O criador usa como base as técnicas do artesão, mas modifica materiais e imprime um novo conceito às peças. Com o uso de materiais mais sofisticados e reunião de várias técnicas na mesma peça, a marca deu ar contemporâneo a artes tradicionais como renda de bilro, Richelieu, renascença, bordado e croché.

Nova etapa

Com a pandemia, Ivanildo Nunes acredita que se inicia uma nova etapa do setor produtivo e do conceito de moda. “Apesar de terem passado pela temporada de fast fashion, as pessoas agora procuram mais uma peça que tenha identidade, história, sustentabilidade, ação social, que tenha um valor a mais, que não seja uma peça apenas de uso e descartável”, analisa. Nesse sentido, ele defende que o artesanato deve ser entendido e absorvido sob novos aspectos. “Deve ser olhado como objeto de arte mesmo, porque qualquer peça, por mais que seja reproduzida por uma mesma matriz, ela tem suas características próprias. Cada artesão produz de uma maneira diferente. A gente nunca tem uma peça igual à outra. Isso imprime valor ao produto final”.

Nesse processo, o estilista explica que o grande desafio é mostrar para o consumidor final o quanto essa peça tem exclusividade, como demora para ser feita e como se deve valorizar a mão de obra local, o artesão, a fim de justificar determinados preços. “Hoje todo o meu projeto de marketing e de divulgação é mostrando o processo, para mostrar como é feita aquela peça, como ela é produzida, quanto tempo é utilizado para fazer um vestido”, diz, acrescentando que as pessoas se admiram quando descobrem que um vestido pode levar de três a seis meses para ser finalizado. Para Ivanildo Nunes, vender a um preço extremamente baixo significa que há alguém sendo explorado – normalmente, o artesão que atua nas comunidades. “Isso vai de encontro a toda uma luta que é de valorização, de valor de produção, valor cultural, de distribuição”, analisa.

Para ele, tudo começa com o envolvimento com a comunidade. “Sem isso, você tira apenas o que o artesão já é e não consegue dar um passo além dentro desse processo de criação. Com o envolvimento, a gente mostra para o artesão as novas possibilidades de manufatura daquele artesanato, o quanto aquilo valoriza o artesanato e dá uma resposta positiva em termos de sustentabilidade e monetários. Eu não vou lá só para buscar. Vou para me envolver, buscar e para retornar com um benefício para a comunidade, retorno financeiro para eles, justo. A comunidade precisa de um design que retorne para ela um benefício financeiro, que valorize o artesanato e que não explore”, reflete.

Pandemia trouxe desafios para aquisição de insumos

O desafio de se adquirir insumos durante a pandemia tem sido relatado pelos empresários que atuam na área. Para a empresária Elisethe Falquer, que tem formação em moda em Milão e Paris e prepara coleção cápsula só com peças de renascença e Richelieu, a pandemia trouxe desafios para quem trabalha com insumos como algodão puro, linho e rendas. “Tem o momento difícil de crise, mas agora já vejo uma procura muito maior. As vendas pelas redes sociais aumentaram 60%. As pessoas veem um bordado diferenciado e o desejo de consumir reacende. É tudo muito desafiador, mas o que está em questão é o bem-estar, a satisfação pessoal. Certas coisas não cabem mais ser adiadas”, analisa.
Elisethe lembra que tecidos naturais aderem bem a altas e baixas temperaturas no Brasil. “Somos um país tropical, rico em artes e tecidos naturais. As peças são extremamente mais resistentes e têm muita durabilidade. É isso que as pessoas querem agora. Não é mais o consumo pelo consumo”, diz.

Campanha valoriza cadeia produtiva

A necessidade de incentivar a compra de quem produz e comercializa no Ceará motivou a criação, em julho, da campanha Compre do Ceará. Para isso, setores produtivos da indústria, comércio, serviços, transporte, agricultura e micro e pequenas empresas se reuniu em torno do incentivo à sensibilização e valorização do negócio local. Nesse período de retomada da economia, o movimento pode garantir a sobrevivência e reestruturação da cadeia interna de produção, comercialização e de distribuição de produtos.

A campanha nasceu por iniciativa do sistema produtivo, que inclui Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Federação do Comércio (Fecomércio), Federação das Empresas de Transportes (Fetrans), Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec) e do Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). De acordo com a coordenadora geral de Comunicação e Marketing do Sistema Fecomércio Ceará, Raquel Barros, a intenção é conscientizar o consumidor e, assim, melhorar os índices de empregabilidade e venda através da valorização do que é feito no estado.

No caso da moda, o incentivo do Sistema Fecomércio se dá, segundo a coordenadora, pelo apoio a novos artistas, estilistas, ao trabalho autoral e às artesanias. “O Senac trabalha preparando para o mercado de trabalho. O Sesc apoia todas essas culturas que são do Ceará. Isso é parte do que é o sistema, que tem na sua gênese e missão o trabalho de incentivo ao empreendedor, à cultura, à arte, potencializando esse Ceará para o mundo”, destaca.

Para ela, o fato de o cenário ser de crise sanitária e economia eleva o cidadão ao elo mais importante desse processo. Para atingir diferentes tipos de consumidores, a campanha buscou um traço comum à identidade local: a linguagem do humor, no sentido de gerar empatia imediata em situações que envolvem hábitos de consumo. “O ato de compra ajuda a manter toda a cadeia, porque as pessoas estão pagando o frete, o transporte, alguém produziu e o comércio está fazendo a mercadoria chegar ao consumidor”, explica.

Pelo site www.compredoceara.com.br, qualquer empresário ou empreendedor tem acesso ao material da campanha. Basta fazer o download. Segundo Raquel Barros, em menos de uma semana, mais de um milhão de pessoas foram impactadas pela iniciativa nas redes sociais. Artistas cearenses como Tirulipa, Falcão, Waldonys e Fagner, por exemplo, fortalecem o apoio através de inserções em veículos e ferramentas de comunicação. “A campanha pertence a qualquer cearense. Mais do que uma campanha, é um movimento em prol da empregabilidade e das empresas”, frisa Barros.

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