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A quem interessa ser republicano?

Emanuel Freitas é professor de teoria política da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Um dos grandes desafios do Brasil enquanto sociedade e Estado é assumir a dimensão republicana das práticas. A longa tradição do pensamento social brasileiro discorreu em inúmeras páginas sobre as dificuldades de se estabelecer, aqui, uma gramática de impessoalidade no tratamento da coisa pública. Termos como patrimonialismo, personalismo, familismo, tradicionalismo e tantos outros compõem o repertório de diversos autores que, de um modo ou de outro, buscaram responder à questão: o que faz o Brasil ser o Brasil?

Pensadores do quilate de Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Raymundo Faoro, Sérgio Buarque e Maria Isaura de Queiroz dedicaram-se à compreensão dos modos como a intimidade e o familismo produziram nossa ordem socio-política e as dificuldades de instauração de uma ordem pública, de fato.

Enquanto observamos um discurso cada vez mais apurado em torno da necessidade de “mais democratização”, pouco se observa, mesmo que estando numa suposta “era da transparência”, discursos e mobilizações em torno da republicanidade de instituições e práticas.

Um enorme “trem da alegria” de condecorações concedidas nesta semana que passou me fez lembrar das dificuldades persistentes no Brasil acerca do “universalismos de procedimentos” ou mesmo do estabelecimento de uma ordem republicana e impessoal.

É que Janja, esposa do presidente da república; Lu Alckmin, esposa do vice-presidente; Simone Tebet; Margareth Menezes; Luciana Santos e outras ministras serão “condecoradas” pela Ordem de Rio Branco e passarão, assim, a serem tidas como “pessoas distintas” “pelos seus serviços e méritos excepcionais”. Há outros “condecorados” (como Elza Soares, Gal Costa, Bruno Pereira e Dom Phillips), que parecem cumprir uma função na lista: a de legitimá-la.

Mas, voltemos à lista: ela contém nomes de sujeitos a quem, a partir de agora, termos de olhar como “distintos” e “meritórios”. E no que constitui seus méritos e distinções. Parte da lista tem o mérito do matrimônio com autoridades da “república”; outra parte tem no fato de fazer parte deste governo a sua grande e considerável “distinção”.

Jair Bolsonaro também tornou sua esposa, parte de seus ministros e até seu “faz tudo” pessoas distintas e excepcionais. Viva!
Nesta “república” há uma inflação de distinção. É que governos mobilizam-se, à esquerda e à direita, para tomarem parte dessa “coisa pública” que, por ser “pública”, pertence aos ocupantes de plantão.

Nem bem chegou a seu primeiro ano, e já temos um governo de “excepcionais”, de “distintos”. Nessa “república”, res publica nada é; tudo pertence àquele que senta no trono. Somos, na verdade, um grande privatum.

Entram e saem governos e a preocupação com a gramática republicana não encontra o seu lugar nas mentes e nos corredores do poder.

 

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