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RHOLDEN QUEIROZ: “Queremos a sociedade mais perto do Tribunal”

De perfil técnico, o novo presidente do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) diz que entre as metas da gestão 2024-2025 estão intensificar o uso de inteligência artificial, ampliar os canais de comunicação e simplificar a linguagem da Corte. “O cidadão precisa saber como o dinheiro que ele paga, de impostos, está sendo gasto”, afirma

Presidente do TCE é conselheiro desde 2012 / Divulgação

Erivaldo Carvalho
opiniao@ootimista.com.br

Rholden Botelho de Queiroz é graduado, especialista, mestre e doutor em direito. Servidor público desde a década dos anos 1990, o entrevistado é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) desde 2012.

O integrante da Corte que julga contas públicas de governadores e prefeitos, entre outros mandatários, ocupa a vaga, via concurso público, reservada ao Ministério Público Especial junto ao TCE-CE.

No último dia 8 de janeiro, Rholden Queiroz, que já desempenhou funções de corregedor e vice-presidente do Tribunal, foi empossado presidente do TCE, para o biênio 2024-2025.

Nesta conversa com O Otimista, Rholden explica o funcionamento do TCE e destaca o uso de tecnologias e integração com a sociedade como algumas das metas de sua gestão. Confira os melhores trechos:

O Otimista – Como será a atuação do TCE neste ano eleitoral?
Rholden – Estamos com equipes, acompanhando e monitorando. A lei de responsabilidade fiscal, por exemplo, estabelece que nos últimos 180 dias de mandato não pode haver atos de aumento de gastos, visando o pleito eleitoral. Estamos focados no uso da inteligência artificial. A gente tem como verificar se há oscilação nos gastos, justamente nesse período.

O Otimista – Como será esse foco em novas tecnologias?
Rholden – Um dos pilares da minha gestão será investir, fortemente, em tecnologia da informação e inteligência artificial, em favor da fiscalização e automatização dos nossos trabalhos. Já temos sistemas, em colaboração com o Tribunal de Contas da União, que nos auxiliam na análise de dados das licitações.

O Otimista – Como funciona?
Rholden – É um robozinho chamado Alice, que faz esse cruzamento. Ele verifica alguns tipos de ocorrência e já faz um trabalho preventivo, de análise rápida. Aí nós montamos as equipes, para ler esses dados e disparar as fiscalizações – ou até mesmo comunicar ao gestor. Também estamos investindo em um chat, para potencializar tarefas rotineiras do servidor – analista ou auditor – , para que ele fique livre para ir a campo.

O Otimista – Ainda são realizadas Operação Desmonte?
Rholden – A Operação Desmonte era um momento pós-eleição. Era para ver se o opositor, vencendo, havia alguma janela negativa de oportunidade contra ele. Se documentos tinham sumido, por exemplo. Sempre havia o risco de o serviço ser descontinuado. Essa fiscalização é muito importante. Agora, incentivamos e acompanhamos a transição responsável. Atuamos preventivamente.

O Otimista – O que está no topo da lista dos crimes contra a gestão pública?
Rholden – Superfaturamento é o clássico. O preço é “x” e você cobra 10%, 20% a mais do que seria o preço de mercado. Também acontece que por mais que não tenha um preço acima, você quer privilegiar pessoas do seu convívio. Isso fere a competitividade. Você não pode beneficiar alguém com um contrato público. O tribunal também é muito demandado pelos próprios licitantes. Muitas vezes, não está sendo garantida a isonomia.

O Otimista – Há também casos sem dolo?
Rholden – Muitas vezes, o serviço é mal realizado por detalhes simples. Uma vez, houve uma campanha de combate à desnutrição infantil. Foram distribuídos kits com ingredientes. O tribunal percebeu que não estava dando o resultado esperado. Fomos analisar. Descobriu-se que as pessoas estavam tomando os elementos separadamente, quanto os ingredientes tinham de ser misturados.

O Otimista – Qual o balanço da incorporação, há alguns anos, do Tribunal de Contas dos Municípios ao TCE?
Rholden – Eu estava lá, no olho do furacão. Foi um desafio. Hoje, olhando em retrospecto, vejo que é interessante ficar tudo num órgão só. A transição foi tranquila. Houve aporte de todos os servidores do extinto TCM ao TCE. Não houve perda de eficiência. As fiscalizações continuam de forma escorreita. Foi um grande aprendizado.

O Otimista – O TCE realiza, basicamente, dois tipos de julgamento de contas: de gestão e de governo. Qual a diferença?
Rholden – Contas de gestão são as do dia a dia da administração. Licitação, compra, contratação, construção. Nesse caso, os tribunais julgam os gestores. O tribunal é o juiz. Nas contas de governo, a atuação do tribunal é mais macro. Analisa-se a sustentabilidade das contas no aspecto financeiro e econômico, ao longo do tempo. O tribunal não realiza um julgamento. O tribunal dá um parecer técnico. O julgamento é feito pelo legislativo.

O Otimista – O parecer do TCE pode ser revertido pelo legislativo?
Rholden – Pode reverter. A decisão final é do plenário das respectivas casas. É mais político. Não diria que é só político, mas prepondera o aspecto político. A decisão do TCE é técnica. O legislativo vai fazer o seu juízo.

O Otimista – Como está a integração do TCE com outros órgãos de controle?
Rholden – Estamos fortalecendo a integração com outras instituições. Receita Federal, Ministério Público, cartórios de imóveis e empresas de construção civil, entre outras. Às vezes, é necessário o técnico ir lá. Quando chega, vê que a empresa não tem sede. A sede é inexistente, não tem ninguém trabalhando ou funcionando dentro do próprio órgão público. Isso acontece.

O Otimista – É a soma de tecnologia e trabalho humano?
Rholden – É uma combinação de trabalhos. De coleta e tratamento desses dados, pela inteligência artificial, combinados com o trabalho humano, que faz uma análise crítica. Há muitos falsos positivos. Mapeamos a gestão de risco, para ver aonde o fiscal vai. Ele já chega como um míssil teleguiado. Ele já vai no ponto certo. Ele já pode dizer que a empresa não existe. É fantasma, criada somente para fraudar a licitação.

O Otimista – Como o senhor vê a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dando mais poderes aos TCEs?
Rholden – A jurisprudência é muito cambiante na responsabilização do gestor. Muda muito. A questão é se o governante pode ser julgado como ordenador de despesas. Se ele é chefe do Executivo, ele dá a ordem, mas não coloca o nome dele no pagamento. A grande confusão é se ele vai prestar contas de governo ou de gestão. É conta de governo, mas ele está na gestão.

O Otimista – O senhor é conselheiro oriundo do Ministério Público de Contas do TCE. Como isso dialoga com indicações políticas para o tribunal?
Rholden – É um modelo, teoricamente, muito bem construído. Soma diferentes experiências de vida. Eu venho de concursos públicos. Sou técnico. Mas, não posso desprezar alguém que foi gestor, secretário de administração ou de planejamento. Isso agrega. Isso engrandece a visão do tribunal.

O Otimista – Como a sociedade pode acompanhar de perto as atividades do TCE?
Rholden – O tribunal tem seus canais. A Ouvidoria, forte e atuante, recebe comunicados da sociedade. Verificamos a materialidade e as condições, que possam resultar em uma ação fiscalizadora. A ouvidora eleita, conselheira Patrícia Saboya, está, inclusive, com uma ideia muito bacana de, alinhada com os objetivos da ONU, criar um departamento de ouvidoria da mulher.

O Otimista – Buscar mais transparência?
Rholden – A transparência do tribunal é considerada excelente. Conquistamos prêmio nacional. Nossas sessões são públicas. E queremos, cada vez mais, o tribunal perto do cidadão. Essa é uma marca que quero aprofundar. Inclusive, facilitando a linguagem. É muito fechada. Muito árida. Até mesmo para nós, que trabalhamos na área.

O Otimista – Qual a ideia geral desse movimento?
Rholden – É estar mais próximo da sociedade. O cidadão precisa saber como o dinheiro que ele está pagando, de impostos, está sendo gasto. Temos um projeto para facilitar o entendimento de nossas decisões, transformando-as em uma linguagem mais acessível. Vamos fazer vídeos curtos, explicando algumas decisões emblemáticas.

O Otimista – Há modelos alternativos a tribunais de contas?
Rholden – Em alguns locais são apenas uma controladoria. A vantagem do tribunal é a independência de seus membros. O tribunal tem autonomia orçamentária, financeira e administrativa. O TCE não está atrelado ao governante de plantão. Isso permite que o tribunal atue com independência na fiscalização dos gastos públicos. O modelo brasileiro é o que prevalece na Europa. É o mais usual no mundo.

 

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