Opinião

JOYCEANE BEZERRA DE MENEZES: “Para mim é muito prazeroso. Eu tenho paixão pelo direito civil”

A professora da UFC e da Unifor analisa a abrangência e a profundidade de uma das áreas mais relevantes do mundo jurídico. Operadora no segmento, ela comemora avanços no direito de família – especialmente, na socioafetividade. “Acontece como as flores nascem na primavera. Aqui no Ceará não tem primavera, mas elas nascem mesmo assim”, afirma

Entrevistada é professora da UFC e Unifor / Divulgação

Erivaldo Carvalho
opiniao@ootimista.com.br

Joyceane Bezerra de Menezes é graduada, mestra, doutora e pós-doutora em direito. A advogada é professora universitária na Universidade Federal de Ceará (UFC), Universidade de Fortaleza (Unifor) e atua no direito de família e sucessões.

Nesta entrevista ao Grupo Otimista de Comunicação, Joyceane fala de sua relação com o direito civil – acompanha toda sua formação e carreira –, e da participação da mulher neste segmento acadêmico e instâncias jurídicas. Confira os melhores trechos:

O Otimista – Como a senhora despertou para a paixão pelo direito civil?
Joyceane Bezerra de Menezes – Gosto de pensar sobre como os institutos que gerem a nossa vida podem ser mais adequados à realidade presente. Gosto muito de escrever, de refletir sobre esses temas. Para mim é muito prazeroso. Eu tenho paixão pelo direito civil desde a graduação. Minha formação não foi um processo de dor.

O Otimista – Pode-se dizer que o direito civil é uma espécie de guarda-chuva de outras áreas jurídicas?
Joyceane – O direito civil é um grande ramo do direito. Na verdade, a partir do direito civil e de figuras do direito civil, como ato jurídico, negócio jurídico, contrato, obrigações, você vai utilizando esses instrumentos em outras áreas do direito.

O Otimista – E vai de temas clássicos à inteligência artificial.
Joyceane – A inteligência artificial é um fato hoje. A tecnologia promove essa possibilidade de utilização em vários ramos. Isso pode impactar relações privadas. A abordagem disso pode se dar com instrumentos do direito civil. Então, o direito civil tem instrumental para lidar com vários fatos que emergem na vida social. Se um estudante vai se especializar em contratos digitais, ele não pode esquecer de que todo o cabedal teórico está no direito civil.

O Otimista – Qual a relação entre direito e tecnologia?
Joyceane – A tecnologia desafia o direito. A Justiça Eleitoral está regulamentando o uso de inteligência artificial nos pleitos. É um exemplo do direito a reboque dos fatos.

O Otimista – Por isso que o Senado quer revisar o texto?
Joyceane – O Senado Federal instituiu uma comissão de juristas para promover uma leitura do atual Código Civil. Não para reconstruí-lo, mas para propor mudanças no que nós já temos. Essa comissão entregou o relatório ao Senado.

O Otimista – Isso poderia ter sido feito pelo Congresso?
Joyceane – É um trabalho muito técnico. Tanto que o primeiro Código Civil parte de uma minuta de projeto de Clóvis Beviláqua (1859-1944) e o segundo de Miguel Reale (1910-2006). Esse agora tem uma comissão. É exaustivo para apontar essas mudanças. O atual Código Civil é de 2002, mas tem a particularidade de o projeto ser de 1975.

O Otimista – É muito ou pouco tempo?
Joyceane – É muito tempo. Imagine um projeto que começa em 1975 e só é aprovado como lei em 2002.

O Otimista – A comissão de juristas precisa, necessariamente, estar alinhada com a média do que pensam os senadores?
Joyceane – A minuta é elaborada por um corpo técnico. Se o Senado Federal encomendou essa minuta, é a Casa, com sua estrutura e envergadura, que vai propor alterações no Código Civil. Nesse processo, certamente a sociedade civil também pressionará. Nem todos estão alinhados com as propostas que a própria comissão de juristas apontou.

O Otimista – O Congresso deu uma guinada ao conservadorismo. O debate pode travar?
Joyceane – As mudanças não são tão grandes para chegar a travar o debate. Mesmo na minha área específica, por exemplo, que é o direito de família e sucessões, onde deveremos ter uma discussão mais acalorada.

O Otimista – Por quê?
Joyceane – Porque toca nessa pauta dos costumes. Mas as mudanças não serão tão arrojadas. Aqui no Ceará, houve um caso de multiparentalidade – família poliamorosa. Havia um trisal. Isso não está contemplado nessa revisão do Código Civil. Até porque a união entre pessoas do mesmo sexo já tem sido juridicamente consolidada.

O Otimista – A Constituição de 1988 foi influenciada pela abertura política. A atual cabeça do Congresso também pode interferir no texto final da revisão do Código Civil?
Joyceane – O processo de produção da lei inclui esse risco. Há forças antagônicas no Congresso – as mesmas que transitam no meio social. Por isso, a sociedade tem de estar sempre atenta e forte.

O Otimista – A senhora esteve à frente do I Congresso das Civilistas. Qual a motivação?
Joyceane – Começou como um coletivo de professoras, juízas, desembargadoras, advogadas do setor público e privado, que estudam e/ou atuam no direito civil. É um campo, tradicionalmente, ocupado por personagens masculinos. A própria leitura dos institutos, muitas vezes, foi realizada e decodificada nos livros por doutrinadores homens.

O Otimista – Existe uma batalha de gêneros?
Joyceane – Claro que não. Mas é certo que cada um tem uma leitura mais apropriada para um viés. Essa visão, preponderantemente masculina, dos institutos, muitas vezes não foi sensível a aspectos pertinentes à vida. Especialmente, puxando, mais uma vez, para a família, a temas como cuidado. Passou muito tempo sendo uma atividade privada dos lares, como se isso não importasse nas relações civilistas e trabalhistas.

O Otimista – Vai além disso?
Joyceane – Aspectos intrafamiliares também precisam ser observados, quanto à diferença de gênero. Há papéis socialmente cunhados para o gênero masculino. Na antropologia e na psicanálise já desponta que gênero não se prende à binariedade. Essas questões que pulsam na vida real precisam ser também contempladas pelo direito civil. Também há disposição para reivindicação de mais espaços, fazendo, inclusive, ecoar o objetivo de desenvolvimento sustentável, da Agenda 2030 da ONU.

O Otimista – Ambientes jurídicos majoritariamente masculinos influenciam em decisões?
Joyceane – Não diria que interfere na imparcialidade, mas que interfere na visão de mundo. No Rio de Janeiro, um juiz retirou a guarda da mãe porque entendeu que ela mora num lugar perigoso e que sendo o filho do sexo masculino é melhor também que seja criado pelo pai. Um argumento desses não é sustentável.

O Otimista – Um homem acusado de estupro terá mais ou menos sucesso se for defendido por uma advogada?
Joyceane – É um machismo às avessas. Escuto falar muito. Intuitivamente, suponho que a intenção seja montar uma estratégia para trazer algum tipo de empatia diante de um crime absurdo. Mas eu não sei de dados sobre isso.

O Otimista – A que se deve o crescimento do direito de família?
Joyceane – O direito de família está muito aproximado da realidade social. Não foi nem o direito que mudou tanto. A sociedade mudou e o direito precisou correr atrás. Mas não a partir de leis. Muito menos pelas leis. Houve a jurisprudência como fonte do direito. Algumas leis, sem dúvida, fizeram mudanças. O direito da pessoa com deficiência é um exemplo no qual o direito promove mudanças.

O Otimista – Ainda há resistência na sociedade?
Joyceane – Ainda há resistências. O direito de família mudou, em parte, por decisões. O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo vem de decisões jurisprudenciais. A socioafetividade entre pessoas acontece como as flores nascem na primavera. Aqui no Ceará não tem primavera, mas elas nascem mesmo assim.

O Otimista – Pode-se dizer que a percepção básica é o reconhecimento do direito à dignidade da pessoa humana?
Joyceane – É um princípio geral, mas que norteia direitos. É a base de muitos dos direitos fundamentais. Pela dignidade e pela igualdade, não posso malferir o direito que a pessoa tem de se autodesenvolver, o que envolve a orientação sexual.

O Otimista – Como está a cabeça do acadêmico de direito?
Joyceane – O direito atrai. Continua atraindo muitos estudantes. Nós temos muitos cursos de direito, mas nem todos têm a mesma qualidade. Isso é algo a se pensar, porque o estudante vai passar 10 semestres estudando. São 5 anos da vida. É muito importante escolher a instituição e não apenas gastar o tempo. É preciso aproveitar o que aquela instituição tem. É uma decisão muito importante.

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