Opinião

Sila – Totonho Laprovitera

Sila

“Mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas.” (Dom Casmurro*)

Os museus possuem memórias que fazer jus à necessidade de serem reveladas e preservadas. As memórias são pedaços de passagens que não se repetem, portanto não acontecerão mais de uma vez. Desse jeito, não guardo a minha memória como um desejo de voltar atrás, nem como um arrependimento. Busco mirar o futuro, com o conhecimento do passado.

Dessa história eu conto sobre Sila, uma ex-cangaceira, mulher de Zé Sereno – um dos homens mais valentes do bando de Lampião. Dizem que ainda menina se juntou com o cangaceiro, por vontade própria, depois dele ter ameaçado toda a sua família.

Muito tempo depois, escapando da matança de 1938, em Angicos, Sila foi morar na Bahia e em São Paulo, onde trabalhou no comércio e como costureira dos figurinos de novelas, na TV Bandeirantes. Teve cinco filhos com o companheiro Zé Sereno, que virou funcionário público. Morreu em 2005.

Falando nisso, pelos nos anos 1990, a sergipana Sila veio bater aqui para lançar um livro contando sua história. Foi no restaurante Maria Bonita, na Vila Pita, no Bairro Aldeota. Eu estava lá e quando a vi, bem vestida e perfumada – cheirava a Royal Briar – tirei a ex-cangaceira para uma dança, que até hoje xaxa em minha lembrança. Foi um jeito achado para eu tentar me inserir (enxerir?) em uma memória tão viva. Naquela noite guiada pela rica cultura nordestina, tive o privilégio de dançar uma única cantiga de forró com Sila.

Pois é, todo mundo tem uma história que merece ser contada e registrada. Assim conduzo minhas memórias e as escrevo pela organização,  preservação e promoção dos conhecimentos que guiam nossa cultura. Entendo que o patrimônios de um povo não se constitui apenas de edificações e acervos, mas também de memórias e  histórias corriqueiras. As cidades são as pessoas.

A ideia dessa minha narrativa é a da interação com o público para abrirmos espaços propícios à inclusão da vida na nossa memória coletiva. No sonho de um lugar aberto para todos que desejam contar suas trajetórias, que nos chegue o Museu da Pessoa!

Fica a ideia.

(*) Dom Casmurro é um dos mais importantes romances escritos por Machado de Assis, em 1899. É um brilhante ensaio sobre a intolerância, um texto escrito com sutileza e humanidade, que descreve o ciúme de Betinho por sua mulher Capitu.

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