Opinião

Sandálias do pescador – Totonho Laprovitera

“Se não puder ir de sandália, eu nem vou.” (Toim da Meruoca)

Conheci Alexandre Grendene no início dos anos 1990, quando da inauguração de sua residência em Fortaleza. Na festa, a grande maioria dos presentes era composta por convidados de seu grande amigo Cândido Couto Filho. 

Logo depois, habitualmente às segundas-feiras, Cândido reunia-se em sua casa comigo e Fagner para bem-humoradas prosas e depois jantarmos um carnoso bife a cavalo, no vizinho restaurante da Casa do Mincharia, na Praia de Iracema. 

Em uma dessas vezes, chegamos e o Cândido demorou-se. Daí, Fagner teve a ideia de improvisarmos uma brincadeira musical, tendo como mote a afinidade do Cândido com a empresa Grendene. Quando nosso anfitrião chegou, vendo-nos trabalhando na canção, cochichou à funcionária dona Raimundinha que nos bem servisse de uísque, gelo e tira-gosto. Respeitosamente, retirou-se da sala para não nos atrapalhar naquele momento de inspiração. 

Compomos “As Aventuras de Rei Chacon”, que assim se findava:  No sustento do cristão / não me amola a esmola. / Se é possível santo ser, / se Deus é dez, mesmo de viés / não sou de dez mil réis! / Como emergente da fé / não pago promessa a pé. / Com as sandálias do Pescador perene / sigo os passos da Grendene! 

Quando Cândido ouviu a canção, protestou: – “Imbecis, e eu na maior inocência! Fiz silêncio e até mandei servir vocês com o que há de melhor da casa!” – rindo, é claro. 

Já no final da década de 1990, eu estava com amigos na ilha do Fagner, no açude de Orós, na região Centro-Sul do Ceará. O encontro girava em torno do Alexandre Grendene, que visitava a Fundação Raimundo Fagner. Cortesmente, ele aproveitou a ocasião para distribuir centenas de pares de sandálias aos descalços oroenses. 

Alexandre chegou acompanhado de sua mulher Nora, do fiel escudeiro Cândido e do amigo Deib Júnior. Muito bem recebidos pelo cantor, de imediato abancaram-se à farta e bem-posta mesa de culinária regional. Lembro-me como se hoje fosse, do Alexandre enfrentando uma bela, graúda e fervente buchada de bode, com a qual se deliciou, apesar do surpreendente calor interno da iguaria. Mesmo lacrimejando, encarou a quentura! 

Assim que tive oportunidade de conversar com Alexandre, elogiei a gentileza da doação das sandálias. De pronto, ele me presenteou com um par delas. Agradeci, e pedi autografada. Alexandre pegou a caneta e, emocionado, atendeu ao meu pedido, enquanto Nora explicou que, embora tivesse produzido milhares e milhares de sandálias, era a primeira vez que ele autografava uma. Interessante, né? 

Pois bem. Eu devia ter guardado as sandálias, mas não. Calcei, passei o dia todo com elas, com direito à banho de açude e um forrozim à noite… Quer dizer, a assinatura feita à caneta Bic apagou, mas até hoje a história continua bem escrevinhada na memória deste vivente aqui, cristão, pescador de sonhos! 

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