Opinião

O baú de fotografias de Sigmar Polke – Aldonso Palácio

Cobri a boca e nariz com uma máscara e fui ver mais uma exposição em Berlim. Sigmar Polke (1941 – 2010) é um dos mais reconhecidos nomes da arte contemporânea alemã para o mundo. Mais famoso por suas pinturas e colagens, na exposição ZEITREISE (viagem temporal), a Galeria Max Hetzler exibe fotografias datadas entre 1966 e 1986, que estavam guardadas e esquecidas na mão de seu filho Georg Polke. Praticamente desconhecidas até 2018, muitos dos negativos só foram revelados recentemente. O conjunto representa um arquivo íntimo do artista, processos e memórias que não foram preconcebidos para exposição ao público.

A miscelânea foi exposta em recortes temáticos mais ou menos coesos e em diálogo com momentos de sua carreira. Polke prova que é um alquimista do laboratório fotográfico, testando os limites e ignorando as os manuais de boa conduta da câmara escura. Sempre um desafiador de regras, ele trata a fotografia de um modo extremamente descuidado, buscando formas de sair da trivialidade e da mera documentação.

Cenas banais se mesclam à experimentos puramente gráficos. Abstrações desfocadas, pixels ampliados de textos de jornais, trailers e plantas de escritório, uma vitrine repleta de sabão em pó, um cão defecando na calçada, o Pavilhão Alemão da Bienal de Veneza, festas regadas a champanhe com amigos artistas, nas quais o próprio Polke também aparece. Ele deliberadamente produz ‘erros’ de forma sistemática, seja brincando com a ampliação, tempo de exposição, solarização, com o apagamento de partes da imagem e as múltiplas exposições. O jogo espontâneo, quase randômico, era promovido às vezes pelo uso de substâncias alucinógenas, atribuindo ao trabalho uma certa aura mística e surreal.

No final da visita fica a sensação de ambiguidade e ambivalência derivada da fragmentação de um olhar singular. Sigmar Polke fez sua crônica bizarra através da câmera e observou com humor o mundo ao seu redor. Abrir o seu baú de fotografias é perceber o quanto o artista festeja o simples ato de estar presente.

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