Opinião

Nossa Fortaleza – Totonho Laprovitera

A Neudson Braga.

“E no mar estava escrita uma cidade…” (Carlos Drummond de Andrade)

Sou nascido e criado em Fortaleza. Conheço a minha cidade desde quando ela tinha uns 600 mil habitantes e todos se reconheciam. Quando criança, brinquei muito na rua. Jogava bola, soltava raia, passeava de bicicleta e circulava livremente por onde bem entendesse. Medo, só o de mordida de cachorro e olhe lá.

Andava de ônibus sozinho, comprava picolé fiado do velho doceiro Tapioca e atentava ao trovejante anúncio de “Vai doce americano!”, de um vendedor que oferecia coloridas (verde, rosa e branca) guloseimas.

Menino véi, quantas vezes eu fui sozinho ao Centro da cidade cortar o cabelo com “seu” Chicó, assistir a filmes nos cines São Luiz e Diogo, merendar na Loja de Variedades, Lobrás, Miscelânea e Top’s, comprar jornal do Rio na banca do Bodinho e do Paulinho, para ler bem a acomodado nos bancos de ferro rebuscado, com alinhadas réguas de madeira, da velha Praça do Ferreira. Na bodega do Milson, perto de onde morava, nem conto as vezes que fui comprar chiclete, bombom ou tomar refrigerante.

Lembro do meu pai deixando o carro aberto, por causa da quentura, estacionado na rua de casa ou perto de seu consultório, na Barão do Rio Branco com Liberato Barroso.

Já adolescente, com precoces amigos, jogava sinuca no Campo do América e, de quebra, bebia amargas e geladas cervejas. Comprava cigarro, muitas vezes a retalho, e os guardava na meia para esconder dos filões. Na época, era bonito fumar e beber.

Quando das tertúlias, eu voltava a pé pra casa, serenamente, pelo meio da rua. Ia às festas em quase todos os clubes de bairro da cidade. Ia às barracas da Praia do Futuro e aos alcoices da Rua Dragão do Mar e cercanias. Cansava de encerrar as puxadas noitadas no restaurante Sereia, do Deó, onde se tomava um ótimo caldo de peixe.

Já na faculdade, eu frequentava vários bares da Gentilândia e comprava fiado e na palavra os livros do “seu” Rodriguez, um livreiro espanhol merecedor de homenagem dos antigos estudantes de arquitetura da UFC.

Morei na Aldeota, quando se ouvia o vendedor de carne, a cavalo, bater na caixa de madeira, anunciar: “Carne e figo!”. Também morei no Meireles, de onde se ouvia o apito dos navios e o brado dos pescadores de “Vai peixe fresco!”.

Pois é, sem ou com saudosismo, eu tenho a fé de que Fortaleza ainda voltará a ser romântica, saudável e bem-aventurada. A sua inocência, perdida pelos males das cidades grandes, se Deus quiser, será suprida pela maturidade de quem já viveu o bom e o ruim. Muitas coisas na vida são doídas, eu sei, mas se inevitáveis, que nos sirvam de lição para amadurecermos a ideia de que o valor da vida está na sua boa qualidade. Afinal de contas, a gente veio ao mundo para ser feliz!

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