Opinião

No ateliê de Alex Flemming – Aldonso Palácio

Há algo de sagrado toda vez que se adentra um ateliê de artista. No caso de Alex Flemming, que abraçou a cidade de Berlim desde a década de 80 e já festejou 40 anos de carreira, a sensação de estarmos desvendando a história é ainda mais intensa. Há pouco menos de um ano em novo endereço, ele ocupa agora uma luminosa sala no complexo que antes abrigava a central de inteligência da extinta República Democrática Alemã (Stasi), lugar de espionagem e perseguição política. Diversas pinturas estavam encostadas na parede, pouco a pouco o artista revelava-as – pessoas, sozinhas ou em grupos, retratadas apenas com contornos, o preenchimento de pele se confundia com o fundo da própria tela. Apesar da paleta pop, a pintura de Flemming trata de temas não tão vibrantes como memória e apagamento, caos e morte. Uma coisa imprescindível para o artista é que elas precisam ser belas.  

Flemming é uma referência da comunidade brasileira de artistas e apreciadores de arte que visitam a cidade – uma espécie de mini embaixada cultural. Seu ateliê é um museu vivo, lugar de construtos e acontecimentos sociais onde ele trabalha sua estética relacional em forma de pintura. Os frutos destes intercâmbios estão intrinsecamente presentes em suas longevas séries. Na série “Alturas”, iniciada em 1988, vemos grandes telas com cinco ou seis linhas verticais em diferentes tamanhos, acompanhadas de nomes. É o registro exato da altura de diferentes atores do setor cultural, pessoas que o artista admira, que foram convidados a retirar seus sapatos e serem medidos no ateliê. O resultado assemelha-se a uma pintura concretista, geométrica e abstrata, mas ao mesmo tempo um portrait conceitual de extremo realismo, um “código de barras da cultura”. Nomes como Gilberto Gil, Ney Matogrosso e Paulo Mendes da Rocha já foram “retratados”. 

A série “Lápides” trata da sequência de sua pesquisa sobre pintura sobre superfícies não-tradicionais, no caso computadores notebooks, providos por amigos e conhecidos, onde o nome do antigo dono é pintado na tela. As peças, colocadas sobre o solo em uma grande instalação, assemelham-se a um cemitério. Para o artista, isso representa “a morte da tecnologia, a morte do indivíduo e a morte da civilização ocidental”. Após tudo for “enterrado”, permanece somente a memória do que nos tornou únicos. Flemming está preparando uma nova instalação destas, que irá ser exposta em um museu alemão em 2021. 

Sintonia entre a vida e a arte é algo que muitos artistas perseguem em suas carreiras. Abraçando eros e tanatos na mesma intensidade, Alex Flemming parece conseguir isso com extrema facilidade. 

Deixe uma resposta

Compartilhe

VEJA OUTRAS NOTÍCIAS