Opinião

Doutor Sócrates – Totonho Laprovitera

Sócrates

Pegando a deixa, disse Magrão: – “Totonho, você é um homem sem identidade!“ 

Foi o seguinte. Em mil novecentos e noventa e pouco, doutor Sócrates veio ao Ceará para passar uns dias. Anfitrionado pelo Fagner, o primeiro compromisso do ex-jogador da seleção brasileira não podia deixar de ter sido uma boa pelada de futebol. 

Pois bem, nos encontramos e combinamos de ir em dois carros: no do Fagner e no meu. Magrão escolheu de ir comigo e eu avisei pra ele que há pouco havia perdido a minha carteira com todos os documentos. Foi quando ele fez valer a sua espirituosa veia de filho de cearense que era e me mandou a tirada com a qual eu comecei esta história.  

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira e eu fomos apresentados pelo Fagner e, desde aí, não nos perdemos mais de vista. Quando demorávamos a nos visitar, telefonávamo-nos e lembro sempre dele falando de maneira arrastada, caricaturando o linguajar cearense, ao me cumprimentar: 

Totooonho… Cadê você, meu bichim?… 

Magrãããooo… Tô aqui, mortim de saudade do amigo véi… – eu respondia. 

Aí, dávamos aquela gargalhada e cobrávamos de nos vermos. Quando o Magrão vinha à Fortaleza, quase sempre era assim: hospedava-se em hotel, mas tomava o café da manhã aqui em casa. Chegava pelas nove, pedia o computador para escrever sua coluna e trabalhava até meio-dia, mais ou menos. Ficava só, à vontade, e ao voltarmos pra casa, na hora do almoço, deparávamos com os vestígios da sua presença na cozinha da casa, pelo deixado castelo metálico bem construído com latinhas vazias. 

São muitas histórias com o inesquecível Sócrates. Certa vez, eu inventei de comprar um Puma. Diziam os amigos que o carro me dava status de colecionador de automóveis antigos. A verdade não era bem essa. Na época, eu estava liso e a oportunidade da aquisição do esportivo me caiu baratamente bem. Nele, fomos ao bar do Vaval e, quando o Magrão entrou no bólido, grandalhão que só, parecia mais que estava era vestindo o automóvel. Foi engraçado, mas conseguimos ir e voltar tranquilos. 

Dentre inúmeras, outra. Pouca gente sabe, mas o Sócrates também era artista plástico e chegamos a expor juntos em Ribeirão Preto. Na mostra coletiva, fizeram parte: Fagner, Tereza Ranier e Tullio Junior. Foi uma das exposições com maior número de visitantes que já participei. 

Em 2011, estive em sua casa em São Paulo. Sócrates, Kátia, Christian Karembeu e filho, uma equipe duma emissora da televisão francesa, Juca Kfoury, Jorge Kajuru, Mazinho Chubaci, o zagueiro corinthiano Paulo André, meu filho Fernando Victor e eu vivemos um dia memorável. 

Pouco depois soube da internação do meu amigo Sócrates. Liguei e quem atendeu foi a Kátia, que me pediu para esperar um pouco e, para surpresa minha, o Magrão falou comigo da UTI! 

Bem… aí, cedo, o telefone tocou. Era o Bueno, de Ribeirão Preto, ligando para dar a triste notícia da partida do Magrão. Logo depois, falei com Fagner e Tullio Junior. Falamos, principalmente, de saudade. Saudade de futebol, de boemia, da arte, da vida e da amizade… 

Saudade do Magrão. Magrão, arre-égua, essa bola da vez você devia ter tirado de calcanhar, amigo! 

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