Opinião

Cecília Bichucher: um quarto vermelho de liberdade – Aldonso Palácio

Cecilia Bichucher, Alzira, 2020, aquarela sobre papel, 50X35cm

“Tanto já foi falado por pensadores bem mais competentes do que eu sobre o porquê da arte. Eu, artista visual, há 32 anos, venho praticando e tentando não me importar com as interrupções do caminho. Existe uma mistura de sentimentos ligados ao meu fazer artístico. Uma certa presunção de achar que me dedico a um ofício nobre que está além das atividades mundanas do dia a dia. Uma certa humildade de achar que preciso fazer valer a pena essa vida. Uma certa tristeza de não acreditar que arte é o que consigo fazer. Uma certa curiosidade de explorar materiais e se dedicar ao fazer. Uma certa ignorância que faz querer aprender com teorias e práticas. Uma certa sabedoria de acreditar que tenho algo a dizer. Uma certa alegria quando o trabalho comunica muito melhor do que minhas palavras. Uma certa vontade de contar histórias e de ouvir histórias. Uma certa lucidez para entender que meu lugar de fala é cheio de privilégio. Uma certa estupidez de achar que sei todos esses porquês. Uma certa vaidade de querer mostrar tudo o que faço. Uma certa dúvida diante dos significados. Um enorme incômodo que só consigo preencher com o fazer artístico. A Arte, ou aquilo que não é, consegue preencher os vazios da minha vida”. (Cecília Bichucher)

A exposição Câmara Perphyry de Cecília Bichucher, atualmente em cartaz no Museu de Arte da UFC, é inspirada numa visão onírica da Câmara Pórfira, um aposento no grande palácio de Constantinopla revestido de pedras vulcânicas vermelhas, suntuosamente ornado, onde dormiam as imperatrizes prestes a dar à luz. As aquarelas mostram mulheres deitadas, debruçadas, recolhidas. Não se sabe ao certo se elas estão sofrendo ou se dormem serenamente, a leitura flutua na ambivalência. Violência, solidão e morte podem num piscar de olhos parecer sonho, espera, gozo. Ou vice versa. Cada uma das mulheres foi batizada – suas identidades coexistem anônimas e familiares no imaginário. A artista acena à tradição pictórica do nu deitado, habitado de deidades à cortesãs prontas para o amor, corpos femininos feitos para a contemplação sensual. As mulheres de Cecília parecem mais próximas da alma do que do corpo – longe de tudo, dos acertos, dos erros, dos julgamentos, da cozinha, dos filhos, da filosofia – pois elas têm um quarto vermelho para darem à luz a si mesmas. Em silêncio.

Serviço:

Câmara Perphyry, de Cecília Bichucher

Até o dia 10 de setembro. De segunda a sexta-feira, Das 8h às 12h e das 13h às 17h. Entrada gratuita

No MAUC (Av. da Universidade, 2854 – Fortaleza)

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