Opinião

Carne de Pescoço – Totonho Laprovítera

A Gaubi Vaz

“Se fosse fácil, todo mundo era…” (Zé Ramalho)

Enquanto a noite cai no infinito das estrelas, voam os pensamentos, dormem meus sonhos. O tempo em silêncio faz da vida uma viagem, um filme da história em que eu imagino existir. Invento calendários, as pelejas viro em sossego. Os dias são uma medida divina e em suas pausas invento eras de espelhos. Farto a sede e a fome, para na calma namorar. A minha arte fala por si e eu apenas conto o que sinto para ela. A minha arte beija a vida e eu, a sério, brinco com ela. A minha arte não tem começo, meio ou fim. Ela é uma estância singela e pinta em canção de luz os desenhos das minhas inspirações.

Desenhando a minha vida e pintando os meus sonhos, em dia de criação, Deus me fez artista. Traçou a minha voz, minha vista afinou. O meu gesto apurou, ideou meus pensamentos. Ilustrou a minha história, escreveu o meu destino. Inspirou-me de amor, enviou-me para este mundo. Deu-me olhos para falar, ouvidos para calar. Mãos para enxergar, deu-me boca pra calar. Do nada gerou o tudo e me deu pra eu viver: coração para pensar, cabeça para amar!

Pois bem. Aprendi com a música, que quando chega o silêncio entre os sons, faz-se o ritmo e a canção abrolha. Assim também é na vida, quando me ameaça bater aquele tal do esmorecimento. Aí, fico quieto em meu canto, pois no trocar das penas os pássaros canoros se guardam e emudecem. Ao regressarem, voejando livres, leves e soltos, tornam cantando bem melhor a arte de viver.

Falando em música, conheci Zé Ramalho em 1977, quando ele estava partindo da Paraíba para o Rio de Janeiro, onde prosseguiria a sua carreira artística.

Em 1981, reencontramo-nos e ele me convidou para ilustrar o seu livro “Carne de Pescoço”, a ser publicado pela CBS, gravadora pela qual era contratado. Quando comecei a realizar as ilustrações, no início do livro, chamou-me atenção a revelação de que o primeiro som que ele ouvia ao acordar era o do olho dele abrindo. Interessante.

Pois bem, eram dez capítulos e eu já havia ilustrado nove. Faltava o último, que trazia sete poemas familiares, cada um bem diferente do outro. Senti dificuldade, até que me deu um estalo e, em Sobral, na casa do meu sogro Aurélio, observei uma composição harmônica de uma vazia cadeira de balanço próxima à janela, que incluía um jarro de flores em seu peitoril. Ora, mandei brasa e retratei a cena.

Quando apresentei os desenhos, curioso, ele me perguntou sobre a ilustração da cadeira e eu respondi: – “Zé, tem cena mais familiar do que ler poemas sentado em uma cadeira de balanço, à beira de uma janela ornada com um jarro de flores? É sentar e ler.”

Ele riu, deu-me a mão e, então, brindamos às ilustrações.

Assim é a arte da vida. Assim eu faço da vida arte.

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