Opinião

Caldeira da fábrica de doce – Totonho Laprovitera

A Eliseu Batista Filho.

“Não merece o doce quem não experimentou o amargo.” (Erasmo)

“Ei, macho, pra que tu quer saber dessa história?” Foi assim que o amigo Zé Wilton respondeu quando eu pedi para ele contar novamente a história da caldeira da fábrica de doce.

Zé era jovem, 15 pra 16 anos, quando seu pai botou uma fábrica de doce para os dois, em Iguatu. Na sociedade, Zé cuidava de tudo. Era diretor geral, comprava banana, botava pra maturar e por aí ia. Inventivo, pela dificuldade de se arranjar naquele tempo papelão para embalagem, ele encomendava à meninada caixas de madeira. Era desse jeito: um empreendedor nato!

Pois bem. Em um certo dia, o caldeireiro faltou ao batente. Como Zé já se metia a operar a caldeira – um locomóvel Philips, inglês, que só trabalhava duas vezes por semana – ele decidiu dar conta do serviço. Para quem não sabe, locomóvel é uma máquina que ao produzir vapor gera pressão e tem a propriedade tanto de aquecer através do ar, como de mexer os tachos para o doce não queimar. Um detalhe: a lenha usada no bicho – de jurema preta – estava verdosa, e desse jeito ela produz bem mais energia e assim, calor à beça.

Mas não é que o Zé, moído de cansaço, deixou-se cochilar! Quando deu fé, ao acordar, a pressão do locomóvel estava no limite, com o ponteiro do relógio já apontando na faixa encarnada! Aí, como viu que não dava para cuidar sozinho, no aperreio, ele disparou o apito da máquina, mandou toda a equipe vazar, abriu os tachos para escapar o vapor e tirou a lenha da fornalha. Mas não deu jeito, não. O locomóvel se tremia tanto, chega parecia querer voar da base.

Aí, escapulindo da redondeza do lugar, todos meteram o pé na carreira e só quem ficou com Zé foi o vizinho Chico Aleijado – que tempos depois viraria Francisco Paraplégico, dizem, após ser premiado na Loteria Estadual do Ceará.

“Na situação perigosa, não ficou ninguém no quarteirão! Naquele deus-nos-acuda, com medo de tudo explodir, todo mundo correu, quer dizer, menos Chico, que morava vizinho e não abriu. Chico era um cara muito solidário, muito fraterno, muito amigo… Eu acho que ele ficou por solidariedade a minha pessoa” – contou Zé Wilton. E rematou: “Você sabe, quando uma caldeira pega pressão demais, ela tende a explodir. Pois é, o perigo era esse, mas ela não explodiu, não.”

Segundo o escritor Giovani de Oliveira, “o saudoso Chico teve poliomielite em 1947, aos 4 anos de idade. Na nossa região (Centro-Sul do Ceará) morreu muita criança. Era pobreza, falta de cuidados… e ele sobreviveu…”

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