Opinião

Apreciando a poeira – Aldonso Palácio

Vistas da exposição Tomás Saraceno, “We do not all breathe the same air”, Galerie Neugerriemschneider, Berlim

Continuo no tema de exposições minimalistas, com nada ou pouco para se ver. “Nem todos respiramos o mesmo ar” é o título da mostra de Tomás Saraceno, artista argentino radicado em Berlim. Nela são apresentadas investigações sobre as questões sociais, científicas e filosóficas que o artista fez ao redor da respiração, espírito e regeneração. A exposição marca a estreia de Saraceno na galeria Neugerriemschneider. O artista é conhecido pela suas façanhas e performances aéreas da Fundação Aeroceno, que lança a utopia de que a raça humana um dia colonizará todos os estratos da atmosfera. 

A obra inédita “Particular matter(s)” (2021) impacta tanto pela sua simplicidade quanto pelos seus efeitos e desdobramentos. A sala preta, totalmente escura, é perfurada por um único feixe de luz, fortíssimo. Partículas de poeira terrestre e cósmica, invisíveis ou ignoradas no dia a dia, são iluminadas como milhões de pequenas galáxias iridescentes, movimentadas pela presença e respiração dos visitantes.

Vistas da exposição Tomás Saraceno, “We do not all breathe the same air”, Galerie Neugerriemschneider, Berlim

O ar da sala não recebeu nenhum tratamento especial, trata-se do ar comum, esse que respiramos, presente nas cidades e no interior de uma galeria. Saraceno simplesmente traz à luz e à nossa percepção o que antes era invisível, mostra o quão repleto é o vazio, quase como num truque de mágica. O que pensávamos ser algo estéril, revela-se uma colônia de partículas vivas, com trajetórias complexas que mimetizam do micro ao macro um sistema coloidal de microorganismos até o movimento das estrelas. 

Eu achava que já havia visto e conhecia o que era a poeira até este dia. Essa obra me deixou com a sensação de que os mistérios da natureza estão sempre aí, pronto para serem desvendados. Basta saber enxergar. 

Ao sair da escuridão para uma sala branca e iluminada descobri, dentre outras coisas, seus desenhos (ou gravuras?) feitos com bolhas de sabão e tinta. Ar, fôlego e espírito. Simplicidade e poesia. 

 

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