Opinião

A dondoca e a arte – Totonho Laprovitera

 

 “Na essência somos iguais, nas diferenças nos respeitamos.” (Santo Agostinho)

Assistindo a uma aula-espetáculo do formidável escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, escutei o seguinte caso.

Em Paris, por ocasião de uma exposição de pinturas de Henri Matisse, uma emperequetada dondoca comentou ao artista: – “Nunca vi cachorro azul…” Aí, o mestre francês rebateu: – “Madame, isso não é um cachorro. É uma pintura.”

Essa história me fez refletir sobre o quanto a arte é ultrajada pelos arrogantes e insensíveis. Desrespeitada.

Pois bem. Em meu percurso artístico, honra-me ter participado em 1988 da pintura do Painel para o Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza. Concebido pelo projeto Condomínio da Arte, o valor de sua aquisição foi destinado para o Iprede, ONG com décadas de atuação no combate à desnutrição infantil e foco no desenvolvimento da primeira infância. A instituição é referência no Ceará.

Participaram do Painel os seguintes artistas: Antenor Lago; Ascal; Barrinha; Cecília Castellini; Claudio Cesar; Edmar Gonçalves; Emília Porto; José Guedes; José Mesquita; Kazane; Maria Tereza Pinto; Magda; Mano Alencar; Marô; Maurício Cals; Raimundo Fagner; Tota; Totonho Laprovitera; e Vando Figueiredo. Pois é, nós, artistas, sempre temos feito a nossa (p)arte! Agora, infelizmente, com a administração da Fraport, o Painel sumiu do “Fortaleza Airport”.

Questionado pelo artista Francisco Ivo, a Ouvidoria da Fraport Brasil – Fortaleza esclareceu que “três grandes quadros estão no Terminal de Cargas Internacional e um outro está guardado, pois passará por um reparo”. Ora, em uma peça única, o Painel é formado por quatro módulos, o que eles chamam de quadros. Quer dizer, será que esquartejaram o Painel e enterraram a memória de uma bela história de Arte com alcance social, que enaltece a nossa Cultura?

Questionado por mim, com solicitação de visita técnica para verificarmos as atuais condições da obra de arte,  a Ouvidoria da Fraport Brasil – Fortaleza esclareceu: “Antes de mais nada, destacamos que respeitamos sobremaneira a obra artística que estava exposta no terminal de passageiros do Aeroporto Pinto Martins, assim como reconhecemos sua importância histórica/artística para a cultura da cidade de Fortaleza e do Estado do Ceará. Por outro lado, informamos que o terminal de passageiros do Aeroporto Internacional Pinto Martins passou por uma grande reforma, em cumprimento ao Contrato de Concessão nº 004/ANAC/2017 e, em razão disso, e justamente para preservar a obra de tamanha importância, para evitar danos, o painel foi retirado e devidamente acondicionado no depósito da empresa. Ocorre que, após as reformas mencionadas, tendo em vista que não se tem conhecimento acerca do tombamento de tal obra e necessidade de manutenção no local onde estava exposta, a concessionária decidiu por não recolocá-las no local de onde foram retiradas, mas sim doá-las a alguma instituição que possa expô-la em local apropriado para tanto, dando o devido destaque que tal obra – de inquestionável valor histórico/artístico – merece. Aproveitamos o ensejo para pedir indicações de instituições que possam receber a obra.”

Insistimos e a visita técnica foi realizada. Representantes da Fraport reafirmaram a injusta decisão de se livrar do histórico  painel artístico, belíssima obra da arte cearense!

Tomara, Deus, que não valha a prática da cultura da “dondoca diante da arte”.

Deixe uma resposta

Compartilhe

VEJA OUTRAS NOTÍCIAS