Economia

O fim do mundo não está marcado para 2026

Onda de calor no Rio de Janeiro | FOTO: Foto: Felix Averbug/Ato Press/Folhapress

Nathália Bernardo
nathalia@ootimista.com.br

Sim, precisamos ser rápidos contra as mudanças climáticas. Sim, esta pauta é urgente. Sim, este é o maior desafio da história da humanidade. Mas não, não há ninguém anunciando que o mundo inteiro vai ferver ou afundar nos próximos dois anos.

A mensagem de que “nós temos dois anos para salvar o mundo”, do chefe do clima das Nações Unidas Simon Stiell, é um chamado a ação. Apesar do título, que o próprio executivo diz poder parecer dramático, o discurso até permite uma leitura otimista.

Stiell elenca cinco motivos pelos quais os próximos dois anos serão decisivos para o clima: já conhecemos os obstáculos; estamos no começo de uma corrida para uma matriz energética limpa; a necessidade de financiamento para planos climáticos mais fortes; uma nova geração de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) e a importância do engajamento dos cidadãos.

Janela de oportunidade: nova geração de NDCs
As NDCs são metas autodeclaradas de cada país para contenção do aquecimento global e mitigação dos seus efeitos, devendo ser renovadas a cada cinco anos. Criadas em 2015 na COP21, em Paris, essas contribuições ainda são tímidas. Como diz Stiell (em tradução livre do inglês), elas “mal reduzem as emissões (de gases de efeito estufa) até 2030”.

Às vésperas do décimo ano do Acordo de Paris, em 2025, ano da COP do Brasil, os países elaboram suas novas NDCs. “Ainda temos a chance de fazer as emissões de gases de efeito de estufa caírem, com uma nova geração de planos climáticos nacionais. Mas precisamos desses planos mais fortes agora”, explica o chefe do clima da ONU.

Por isso, ele pede ação para os próximos dois anos: energia limpa, financiamento para projetos climáticos, engajamento dos cidadãos por mais comprometimento de seus países e NDCs ousadas. Stiell cita ainda pesquisa da Gallup, que ouviu mais de 130 mil pessoas em 125 países, chegando à conclusão de que 89% dos cidadãos querem ações climáticas mais fortes de seus governos. 

Como diz a escritora Margaret Atwood, em O livro do Clima, organizado pela ativista Greta Thumberg, esperança e ação estão associadas, uma não funciona sem a outra. “Para que a esperança seja eficaz é preciso agir, mas sem ela perdemos a vontade de continuar lutando”. Temos motivos para esperança. Precisamos intensificar nossas ações. 

FOTO: Kamil Krzaczynski / AFP

Ansiedade climática
Intitulado “Two years to save the world”, o discurso de Stiell ganhou destaque na imprensa e nas redes sociais. Li 16 matérias de diferentes países acerca do texto, que foi publicado na íntegra pela ONU (disponível em bit.ly/3W8p0sq). Em nenhuma delas o foco estava sobre as soluções apontadas, alguns sequer as citavam. Em todas, o título que parece datar o fim do mundo ganhou destaque.

Stiell conseguiu atenção, mas o discurso é maior do que as letras no topo. Suas palavras – 1743 para ser exata – mostram uma janela de oportunidade para a ação climática. Isso é muito para ser resumido em poucas palavras que apontam para a catástrofe.

Comunicar o aquecimento global é um desafio – para jornalistas, cientistas, ativistas e governantes. As palavras oscilam da esperança por uma tecnologia milagrosa ou o prenúncio do apocalipse, resultando em apatia e ansiedade, principalmente nos jovens.

Ao entrevistar mais de 10 mil pessoas com idade entre 16 e 25 anos em dez países, incluindo o Brasil, pesquisa da Universidade de Bath (Reino Unido) ouviu de 56% que a humanidade está condenada, enquanto 59% se dizem extremamente preocupados com as mudanças no clima. Eis a ansiedade climática, da qual ainda ouviremos falar muito.

Sem confiança estamos perdidos
Como diz Hans Rosslling em seu extraordinário livro Factfullness – o hábito libertador de só ter opinião baseado em fatos, “a mudança climática é um risco importante demais para ser ignorada ou negada” e não podemos obstruir nossa capacidade de agir. “Não podemos chegar a um ponto em que ninguém escuta mais. Sem confiança estamos perdidos”.

A verdade é que títulos e matérias não dão conta da realidade, enquanto os algoritmos das redes sociais nos mantêm presos numa bolha. Quando se trata da pauta mais importante da humanidade, precisamos de conhecimento, ciência, visão ampla da realidade e ação.

Nas palavras de Bill Gates, em Como evitar um desastre climático (em tradução livre da edição em inglês): “Quando temos uma visão baseada em fatos das mudanças climáticas, nós podemos ver que temos algumas das coisas que precisamos para evitar um desastre, mas não todas. Nós podemos ver o que impede a implementação das soluções e o desenvolvimento das inovações de que precisamos. E podemos ver todo o trabalho que devemos fazer para superar essas barreiras”.

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