Legislação aprovada pela Câmara dos Deputados estabelece programas de estímulo à contratação de jovens e maiores de 55 anos, mas cria categorias de contratação sem garantias, como férias, FGTS e 13º salário
Giuliano Villa Nova
economia@ootimista.com.br
Toda reforma provoca duas reações: críticas de quem preferia o panorama anterior e elogios de quem se agradou com as mudanças. A afirmação também vale para a reforma trabalhista, aprovada nesta semana pela Câmara dos Deputados, em Brasília. Embora o texto final possa sofrer mudanças, pois ainda será enviado para o Senado e só após essa etapa, se não tiver alterações, segue para sanção presidencial, a legislação promete mexer com as relações de trabalho no País nos próximos anos.
Na prática, a Medida Provisória 1.045/2021, publicada com o objetivo de recriar o programa de benefício emergencial para manutenção de cargos e salários, ganhou amplitude muito maior, com a criação de três programas – Programa Nacional de Serviço Social Voluntário, Requip e Priore – e diversas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com isso, o que eram alterações pontuais se transformaram em uma reforma trabalhista que, para alguns, incentiva e facilita a contratação de trabalhadores por parte das empresas e, para outros, precariza as relações entre empregados e empregadores.
“A nova reforma trabalhista avançou um pouco sobre algumas questões, criando um programa de incentivo ao primeiro emprego e estimulando as empresas a admitirem pessoas de maior idade. A regulamentação foi feita com base na percepção de que o custo do trabalho no Brasil é alto para as empresas e que existe a necessidade de reduzi-lo para que a economia volte a crescer”, observa o economista Fran Bezerra, membro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE).
“Analisando de uma forma mais generalista, o texto, embora busque a manutenção, durante a pandemia, dos contratos de trabalho existentes e a criação de novas oportunidades de emprego, trará grande implicação social ante a redução e até mesmo supressão de direitos fundamentais dos trabalhadores”, opina o advogado Victor Maia Brasil.
Programas
As maiores novidades na nova reforma trabalhista foram o estabelecimento de três programas: o Priore incentiva o primeiro emprego para jovens e para recolocação de pessoas maiores de 55 anos (desempregados há mais de 12 meses), enquanto o Requip prevê a contratação sem carteira assinada e sem direitos trabalhistas previdenciários, concedendo ao empregado uma bolsa, um vale-transporte e curso de qualificação.
Já o Programa Nacional de Serviço Social Voluntário destina-se a trabalhos em Prefeituras, sem carteira, férias ou 13º salário, em jornada de, no máximo, 48 horas mensais, com salário proporcional. Os programas serão apenas para novas vagas e limitados a porcentagens do total de empregados registrados em 2020.
“Estudos mostram que economias desregulamentadas, do ponto de vista trabalhista, como busca a nova lei, propiciam mais empregos e crescimento econômico. Porém, há outros estudos que mostram o contrário: economias mais regulamentadas, nas quais se protege mais o contrato de trabalho, conseguem ampliar e gerar mais renda, de forma mais estável, propiciando mais emprego e mais produção”, afirma Fran Bezerra.
“É muito interessante para as empresas reduzirem os custos trabalhistas. Mas, se todas o fizerem, o resultado final será provavelmente uma redução geral da renda do trabalhador e menos demanda pelos produtos das empresas, ou seja, elas venderão menos. Portanto, o resultado pode ser o contrário do que se propõe”, alerta.
Para o advogado Victor Maia Brasil, a maior preocupação com a nova legislação é quanto à perpetuação das novas modalidades de vínculos empregatícios. “Em tempos difíceis, é compreensivo a adoção e medidas extremas com o objetivo de salvaguardar emprego e renda ao maior número possível de pessoas. Todavia, a perpetuação de tais medidas, após superada a crise sanitária, não podem ser tidas como aceitáveis”, diz.
“As medidas previstas facilitarão a geração de novos empregos, a manutenção dos já existentes, mas traz, também, um retrocesso social, talvez não perceptível a um curto prazo, mas que a médio o longo prazo poderá ser maléfico à economia”, reforça.
Ao invés de suprimir direitos dos trabalhadores, uma alternativa para dinamizar o mercado de trabalho seria o incentivo, para as empresas, na diminuição da burocracia e dos encargos pagos ao governo. Essa é a visão do economista Fran Bezerra, membro do Corecon-CE.
“A reforma poderia avançar na redução dos impostos para o setor produtivo, diminuindo as contribuições compulsórias para o governo a quem contratasse mais, ou mesmo oferecendo mais concessão de crédito. Nesse momento, seriam medidas mais adequadas para a retomada da economia”, destaca.
“O não recolhimento de depósito fundiário (do FGTS) ou a redução de suas alíquotas, poderá repercutir, a um médio e longo prazo, na compra de imóveis, afetando uma das bases de nossa economia, que é a construção civil”, pondera o advogado Victor Maia Brasil.
O relator da medida, o deputado Christino Áureo (PP-RJ), afirmou que a MP não é uma reforma trabalhista, e que o objetivo das novas medidas é estimular a geração de empregos em todo o País.
Confira algumas das principais alterações na legislação trabalhista brasileira:
Como era
Todos os empregos deveriam ter carteira assinada, com direito a férias, 13º salário e FGTS;
Legislação previa o pagamento de horas extras para algumas categorias profissionais;
Trabalhador tinha garantia de acesso à Justiça gratuitamente, inclusive na esfera trabalhista;
Juízes podiam anular acordos extrajudiciais feitos entre empresas e empregados, se fossem prejudiciais aos trabalhadores;
Legislação incentivada e previa a fiscalização trabalhista, com vistas a coibir certas práticas, como o trabalho escravo.
Como ficou
Criadas modalidades de trabalho sem carteira assinada, nem direito a férias, 13º e FGTS (através dos programas Piore, Requip e de Serviço Social Voluntário);
Nova lei prevê redução de pagamento de horas extras;
A legislação recém-aprovada restringe o acesso do trabalhador à Justiça em geral;
Nova lei proíbe juízes de anular acordos extrajudiciais entre empregados e empregadores;
Com a nova reforma trabalhista, a fiscalização trabalhista fica dificultada (antes de um empregador ser multado por infringir a lei, devem ser feitas duas visitas dos auditores).
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