Economia

Brasil enfrenta desafio de valorizar o salário mínimo sem comprometer contas públicas

Valor de R$ 1.170, previsto para 2022, é insuficiente para repor as perdas provocadas pela elevada inflação neste ano. Pagamento de auxílios emergenciais, como o novo Bolsa Família, deve comprometer ainda mais o orçamento da União

Já projetando 2022, a equipe econômica do governo estima o valor do mínimo para R$ 1.170 a partir de janeiro (Foto: Agência Brasil)

Giuliano Villa Nova
economia@ootimista.com.br

Está na Constituição Federal que os trabalhadores brasileiros têm direito a um salário mínimo “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. A prática está bem longe da realidade, já que o valor hoje fixado de R$ 1.100 é insuficiente para suprir as necessidades familiares, principalmente considerando a alta dos índices inflacionários neste ano.

No entanto, o salário mínimo segue como uma das principais referências da economia nacional, desde a assinatura de contratos entre empresas e empregados até valores de aposentadoria, o que também influencia nas contas públicas, em razão do caixa previdenciário. Já projetando 2022, a equipe econômica do governo estima o valor do mínimo para R$ 1.170 a partir de janeiro. A proposta será encaminhada no Orçamento do ano que vem, a ser enviada ao Congresso até o próximo dia 31.

De acordo com os analistas, o “novo” salário mínimo já vai nascer defasado. “Existe a questão da inflação, que já vem há algum tempo deteriorando o poder de compra do trabalhador. Para se chegar a um valor, existem cálculos que o estimam o salário em aproximadamente R$ 4 mil. Porém, como muita coisa na economia está indexada ao salário mínimo, inclusive planos de cargos e salários das empresas, do próprio governo e no INSS, um reajuste desse porte poderia provocar um estouro muito grande nos orçamentos, de maneira geral”, observa o economista Raul Santos , sócio-fundador da Aveiro Consultoria.

Referência

Para o economista Ricardo Coimbra, presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), um reajuste mais próximo da realidade pode ser fator decisivo para o reaquecimento do mercado como um todo. “Quando se tem uma perspectiva de crescimento do salário mínimo acima da inflação, há um aumento do poder de compra e de consumo. Foi isso o que se observou nos períodos anteriores de recuperação do poder de renda do trabalhador, nos governos passados. Isso trazia uma capacidade de crescimento do consumo para a população, fazendo com que houvesse uma redução da pobreza”, analisa. “Para o atual governo, o mínimo é apenas um parâmetro básico para iniciar o processo de negociação salarial. No entanto, na prática, ele acaba sendo o valor teto utilizado pelo empresário”, pondera.

Com relação ao reajuste do salário mínimo, ainda não existe consenso no próprio governo. O Ministério da Economia projeta que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que referencia o aumento do mínimo, ficará em 6,2% neste ano. No entanto, projeções de analistas do mercado apontam uma alta entre 7,2% e 8% para o INPC.

“A alta da inflação compromete bastante a questão do poder aquisitivo, porque alguns itens consumidos pelas classes C e D, que são mais dependentes do valor referência do salário mínimo, aumentam muito mais do que a inflação, medida por uma média geral de preços”, ressalta Raul Santos. “Para um país se tornar rico, é importante a distribuição de renda, e uma política de valorização do salário mínimo pode proporcionar isso, com uma renda média mais elevada e dinheiro na mão de mais pessoas”, defende.

Auxílio Brasil

A proposta do governo de ampliar o valor dos auxílios emergenciais, concedidos em razão da pandemia, também pode impactar no orçamento público. Uma das possibilidades é a criação do Auxílio Brasil, em substituição ao Bolsa Família. Ricardo Coimbra considera essas alternativas importantes, mas que precisam de uma fonte de recursos.

“Se o governo não conseguir direcionar ou definir qual seria a fonte desses recursos, dificilmente terá como elevar o valor do Bolsa Família ou Auxilio Brasil, se não for através do crescimento do endividamento público. Talvez esse seja o principal impasse do governo, visto que ele também tem o problema da situação fiscal para ser resolvido”, afirma.

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